escritor poeta, radialista,

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

ELEIÇÃO DEFINIDA

RIBAMAR FONSECA
Os debates entre os presidenciáveis na televisão ficaram muito chatos. E "enjoativos", na opinião do senador eleito José Serra, que não aguenta mais a discussão sobre a corrupção na Petrobrás, principalmente depois que o delator Roberto Costa revelou que o ex-presidente do PSDB, Sergio Guerra (já falecido), também foi beneficiado com R$ 10 milhões. Se cada rede de televisão decidir promover um debate, o que sem dúvida é garantia de audiência, os candidatos Dilma Rousseff e Aécio Neves não farão mais outra coisa a não ser trocar acusações diante das câmeras e dos olhos de milhões de brasileiros ansiosos por boas notícias.
O debate de domingo último na Record, porém, mostrou-se mais civilizado que o anterior, com os candidatos mais tranquilos e menos agressivos. Alguém, certamente seus marqueteiros, deve ter alertado Aécio sobre a sua virulência no debate do SBT, que repercutiu muito mal entre os eleitores e, talvez por isso, desde quinta-feira última até domingo nenhuma pesquisa foi divulgada pela grande mídia, provavelmente porque refletia o humor negativo do eleitorado diante do mau comportamento do candidato tucano. E no domingo, na Record, ele mostrou-se mais comedido, o que permitiu uma discussão menos passional dos problemas nacionais.
Aécio, no entanto, como sempre, fugiu das respostas, buscando com a sua reconhecida acrobacia verbal confundir o telespectador. Deu-se mal, outra vez, quando voltou a bater na tecla da corrupção na Petrobrás, pois Dilma lembrou o envolvimento do ex-presidente do PSDB e, também, que o caso está sendo investigado e os seus responsáveis presos, ao contrário do que ocorria no governo de FHC, do seu partido. Rebatendo a afirmação do candidato tucano de que a Petrobrás vai muito mal e está desvalorizada, a Presidenta levantou a suspeita de que a maior empresa estatal brasileira está sendo denegrida por Aécio justamente como preparação para a sua privatização num eventual governo do PSDB.
A certa altura da discussão sobre a corrupção na Petrobrás, quando Dilma disse que mandou a Polícia Federal investigar o fato, Aécio arrancou aplausos da sua claque ao dizer que as instituições não precisam de ordens da Presidenta para funcionar e cumprir sua obrigação, mas entrou em contradição logo adiante quando o tema abordado foi segurança pública. Disse que comandará pessoalmente, como presidente da República, as ações policiais. Ou seja, as instituições só funcionam naturalmente, sem precisar de ordens do Palácio do Planalto quando ele, Aécio, não é o seu ocupante. Ele se fez de desentendido, porém, quando a candidata petista lembrou que no governo de FHC os delegados da Policia Federal eram trocados todas as vezes em que as investigações chegavam perto do Planalto.
A propósito, em carta ao jornalista Elio Gaspari sobre as acusações de impunidade às denúncias de corrupção no seu governo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso negou todas elas. "Quanto ao caso Sivam – disse na missiva – a contratação da Raytheon se deu no governo Itamar". Ou seja, ele lembra que o problema ocorreu na gestão de Itamar, mas esquece, numa crise de amnésia que já demora muito tempo, que a estabilização da moeda, com o Plano Real e o controle da inflação, também aconteceu no governo do seu antecessor. A presidenta Dilma, aliás, calou Aécio, lembrando a identidade do verdadeiro pai do Real, quando ele voltou a insistir na velha mentira de que foi no governo FHC que a economia foi estabilizada.
O senador mineiro, durante o debate, acusou a candidata do PT de fazer terrorismo. "Não, candidato – ela respondeu – quem faz terrorismo é o seu ministro da fazenda, escolhido antes da hora, que disse não saber o que vai sobrar dos bancos públicos caso o senhor seja eleito. Os funcionários do Banco do Brasil, Caixa e BNDES estão muito preocupados". Aécio, pelo visto, errou duas vezes nesse caso: primeiro, ao antecipar a escolha do "ministro" sem a garantia de ser eleito e, segundo, por ter escolhido Arminio Fraga, reconhecidamente ligado ao capital estrangeiro. E que, entusiasmado com a possibilidade de ocupar a pasta, vem falando pelos cotovelos, provocando prejuízos ao seu candidato. Suas declarações não deixam margem de dúvidas quanto à intenção de privatizar esses bancos.
Por outro lado, a propaganda eleitoral do candidato tucano repete, insistentemente, gravação de uma antiga declaração da presidenta Dilma Rousseff dizendo que "Aécio foi um dos melhores governadores do país". Na verdade, não apenas Dilma, mas todo mundo também pensava o mesmo até que as ações negativas do seu governo, como as questões dos recursos destinados à saúde, a censura à imprensa e a construção do aeroporto de Claudio, entre outros, começaram a vir à tona, obviamente obrigando todos a reformularem sua opinião porque foram enganados. O mesmo ocorreu na Petrobrás, cujo diretor Paulo Roberto Costa era considerado bom moço até a descoberta das suas falcatruas, envolvendo milhões de reais. Infelizmente, ninguém tem letreiro na testa.
Não se pode deixar de lamentar, na oportunidade, a absurda censura imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral, que proibiu a inserção na propaganda de notícias já divulgadas pela imprensa e de depoimentos de simpatizantes dos dois candidatos. O TSE proibiu o cidadão, justo aquele que elegerá o novo governante, de manifestar publicamente o seu voto, o que foi condenado inclusive pelo renomado jornalista Jânio de Freitas, da "Folha de São Paulo". O mais surpreendente é que tal censura só surgiu depois que o partido de Aécio ingressou com reclamações contra a veiculação de matérias, já publicadas, que revelam aspectos negativos do governo do candidato tucano em Minas Gerais.
Apesar de uma série de estranhos acontecimentos e "coincidências" destinados, claramente, a prejudicar a candidata do PT, o fato é que está se aproximando o dia do pleito e, ao que tudo indica, o número de eleitores dos dois candidatos já está praticamente definido, considerando que não há mais tempo para alterar o quadro. Afinal, os debates já realizados, a propaganda eleitoral gratuita no rádio e televisão e o trabalho de corpo a corpo nas ruas em todo o país já devem ter produzido os efeitos desejados. E a não ser que uma verdadeira bomba de efeito devastador estoure até domingo, o eleitorado já decidiu o vencedor, numa das mais disputadas eleições deste país.

Dilma e Aécio reedita o clima eleitoral de 1989

Tenho ouvido bastante gente dizer que o clima nessa reta final das eleições lembra o de 1989: país dividido entre pobres e ricos, baixarias na campanha, o PT a enfrentar um candidato jovem e bem-nascido apoiado pela direita.
Tendo a concordar com a comparação, mas acho que, em certo sentido, está pior.
Havia acanhamento em apoiar Fernando Collor em 1989. Muitos de seus defensores não tinham coragem de defendê-lo em público. Os grandes jornais rejeitavam Lula, naturalmente, mas tinham pouca convicção no candidato alagoano. O Estado de S. Paulo declarou apoio a ele apenas nos últimos dias da campanha.
A Veja ajudou na construção do mito do caçador de marajás, mas tinha ressalvas com a figura messiânica. É conhecido o episódio em que Roberto Civita, então à frente da Abril, se recusou a recebê-lo na sede da empresa, durante a campanha, por ter sido avisado de última hora.
A Globo, de fato, contribuiu com a famigerada edição do último debate, em que o Jornal Nacional, na véspera do segundo turno, levou ao ar os melhores momentos de Collor – e os piores de Lula.
Mas ainda assim vale lembrar que a emissora precisava se valer de formas indiretas de apoio – a edição tendenciosa – para afirmar sua preferência. 
Mesmo na sociedade civil não era fácil achar quem se manifestasse a favor de Collor. O industrial Mario Amato disse que 500 mil empresários deixariam o país se Lula ganhasse. Mas era a voz da Fiesp, não de uma pessoa física. A atriz Marília Pera concordou em participar do programa eleitoral do PRN e até hoje sofre com o estigma.
Ninguém, em 1989, falava coisas que se tornaram comuns nas últimas semanas. Num vídeo desta semana da TV Folha, uma defensora de Aécio diz o seguinte:  “Temos que tirar o PT do poder, nem que seja preciso um golpe militar”. Num outro vídeo, da Carta Capital, um manifestante grita em direção a moradores de um prédio: “É petista? Então vai morar na favela!”
Entre os spans que chegam à minha caixa de e-mails, alguns apresentam a alternativa de forma clara: ou Aécio, ou os militares. Em 1989 não havia internet, então é difícil a comparação. Lembro dos toscos que vinham dizer que, se o PT ganhasse, seria preciso dividir nossa casa com os pobres. Mas eles não chegavam aos pés do que acontece nas caixas de comentário dos blogs – espaço em que viceja a hidrofobia conservadora que dá a cara do nosso tempo.
A grande imprensa abandonou os pruridos. Um blog abrigado na revista Veja faz campanha por boicote aos artistas que apoiam Dilma. A versão impressa da revista tenta uma bala de prata para acabar com o governo a todo custo. Os comentaristas de política dos telejornais não escondem a preferência. A Folha faz de conta que acredita que seus colunistas não podem revelar em quem votam.
A situação não está melhor no sentido inverso. Os blogs alimentados por verbas do governo petista – e são muitos — fazem o debate regredir a um tempo pré-1989. Ignoram qualquer contexto e partem para a chinelada. As comparações com o governo FHC são primárias, como se o país fosse o mesmo em 2014 e em 1994 e o plano Real uma obra de ficção.
Amigos que se dizem “de esquerda” nas redes sociais adotam comportamento de torcida de futebol – e se rendem a um “nós contra eles” que remete aos primórdios da redemocratização. Revistas apoiadas pelo governo estampam entrevista com Lula na capa a poucas semanas da eleição.
Se de um lado os tucanos se deixaram abduzir pela retórica do Clube Militar, do outro os dirigentes do PT vão caminhando para trás. A ojeriza a Aécio retira da pauta a urgência pela renovação da esquerda e varre para baixo do tapete os erros cometidos nos últimos doze anos e as limitações de Dilma.
Parte expressiva do frescor das manifestações de junho de 2013 vinha da falta de liderança. Sem bandeiras partidárias no horizonte, parecia nascer um modo novo de participar da vida política. Eventos como os que ocorreram em torno de Dilma esta semana em São Paulo, na frente da PUC, reforçam velhas práticas da militância e passam ao PT a impressão de que nada precisa mudar.
A eleição de 1989 era a primeira para o Planalto após a redemocratização. Seu desfecho foi triste, mas o país saiu fortalecido do impeachment, mais confiante no funcionamento das instituições.
Faz 20 anos que o Brasil está entre tucanos e petistas. Foram anos de avanços em muitas frentes – mas agora os dois lados resolveram acreditar que o adversário representa tudo o que existe de mais abjeto no universo.
O baixo nível da campanha faz que com que as candidaturas se reduzam àquilo que têm de mais básico. E aí, de fato, o que sobra são os estereótipos e xingamentos que estão por aí. 
Seria legítimo pedir da democracia brasileira mais do que essa simplificação, mas por ora é o que temos.