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quarta-feira, 8 de outubro de 2014

As religiões e os extraterrestres

descoberta iminente de possíveis sinais de vida extraterrestre está fazendo muita gente no mundo da ciência se mexer em tempos recentes. Mas e quanto às religiões? Elas estão prontas para lidar com o conceito de que talvez não estejamos sós no Universo? Essa foi a espinhosa investigação a que se dedicou o astrônomo David Weintraub, da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos.

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Ele acaba de publicar um livro, “Religions and Extraterrestrial Life”, cujo principal objetivo é buscar pistas de como as diversas religiões humanas lidam (ou não lidam) com a ideia da existência de alienígenas. E a conclusão a que ele chega pode surpreendê-lo: diferentemente do que se pode imaginar, a descoberta de vida extraterrestre não ofereceria grande desafio à maioria das religiões abraçadas hoje pelos terráqueos.
“Para algumas grandes religiões, o próprio conceito de vida extraterrestre está embutido em suas histórias e/ou escrituras; para outras, ideias sobre vida extraterrestre são claramente irrelevantes para seus sistemas de crenças. Para pelo menos algumas poucas religiões, evidências da existência de vida extraterrestre exigiriam a realização de alguns ajustes, que podem ser feitos quando o momento chegar, mas esses ajustes não viriam a um custo teológico grande; para outros grupos religiosos, crenças importantes e profundamente enraizadas seriam fundamentalmente podadas pela prova de que seres extraterrestres existem”, escreveu Weintraub em seu livro.

O astrônomo analisou os escritos e a teologia de diversas religiões, entre elas o judaísmo, o catolicismo, o cristianismo ortodoxo, o anglicanismo, o cristianismo protestante, o cristianismo evangélico e fundamentalista, o mormonismo, o islã, o hinduísmo, o budismo, o siquismo, o jinismo e a religião Bahá’í.
(Aliás, o que chama atenção na obra é sua amplitude; senti falta apenas do espiritismo, cuja presença é forte no Brasil e na França, mas não chega a ser uma perda tão grande, uma vez que os espíritas tratam a ideia de vida extraterrestre de forma tão natural que não lhes faltam livros específicos sobre o tema.)
David Weintraub audaciosamente foi fuçar aonde quase nenhum astrônomo meteu o bedelho: as religiões.
David Weintraub audaciosamente foi fuçar aonde quase nenhum astrônomo meteu o bedelho: as religiões.
Para Weintraub, as religiões asiáticas seriam as que teriam menos dificuldade em aceitar a descoberta de vida extraterrestre. Ele lembra que alguns pensadores hindus já especularam que humanos podem reencarnar como alienígenas, e vice-versa, enquanto a cosmologia budista contempla milhares de mundos habitados.
Para o Islã, segundo o astrônomo, há passagens no Corão que parecem suportar a ideia de que seres espirituais existem em outros planetas. E os seguidores da religião judaica não encontram praticamente nada em seus escritos que ajude a explorar a questão, tanto a favor quanto contra a existência de alienígenas.
Contudo, as análises mais profundas já feitas do impacto da existência de alienígenas na religião foram feitas no âmbito dos cristãos, sobretudo entre os católicos. Eles já debatem as implicações teológicas de outros mundos habitados há um milênio, segundo Weintraub. E o principal desafio para o catolicismo diz respeito ao pecado original. Alienígenas obviamente não podem descender de Adão e Eva. Recai sobre eles o pecado original? Em outras palavras, eles precisam ser salvos? Jesus precisaria visitá-los em cada um de seus planetas e se sacrificar para estabelecer o evangelho em cada um desses mundos? São perguntas que torturam os católicos e ainda não têm uma resposta clara, embora o Vaticano já tenha dado sinais de que não vê problemas entre a busca científica por vida alienígena e o conjunto de crenças defendido pela Igreja Católica.
Entre os diversos grupos cristãos dissidentes, os que têm mais problemas para encarar a hipótese de vida extraterrestre são os evangélicos e fundamentalistas, que se escoram em leituras mais literais do texto bíblico. “A maioria dos líderes cristãos evangélicos e fundamentalistas argumenta forçosamente que a Bíblia deixa claro que vida extraterrestre não existe. Dessa perspectiva, os únicos seres viventes e tementes a Deus no Universo inteiro são os humanos, criados por Deus, que vivem na Terra”, aponta o astrônomo americano. Ainda assim, ele ressalta que essa opinião não é unânime nem mesmo nesses grupos.
A RELIGIÃO DOS ETs
Um dos dados mais interessantes que Weintraub apresenta no livro é resultado de uma ampla pesquisa de opinião feita com 23 mil pessoas em 22 países pela Reuters/Ipsos, em 2010, que apresenta o percentual das pessoas pertencentes a diversos grupos religiosos que professam a crença em vida extraterrestre. Dê uma olhada.

44% dos muçulmanos
37% dos judaístas
36% dos hindus
32% dos cristãos
55% dos ateus

Entre os cristãos, há diferenças acentuadas entre os diversos segmentos. Os mais entusiasmados com alienígenas são os ortodoxos orientais (41%), seguidos pelos católicos (37%), metodistas (37%) e luteranos (35%). Somente os batistas (29%) ficaram com um índice abaixo de um terço.
O número que mais me intriga aí em cima, contudo, é o dos ateus. É o único grupo cujo valor ultrapassa a metade. E acho que isso fala uma coisa ou duas sobre os ateus — apesar de argumentarem justamente o contrário, eles parecem ser tão predispostos a acreditar em ideias sem evidências diretas quanto os demais. Basta que a hipótese seja cientificamente mais palatável, ainda que lhe falte suporte nos fatos conhecidos até o momento.
Mas não são os ateus aqueles que sugerem que não devemos acreditar em nada que não seja sustentado por evidências? Não devemos ser céticos? Afirmações extraordinárias não exigem evidências extraordinárias? Então por que eles aceitam tão facilmente a ideia de alienígenas, mesmo sem nunca terem visto um?
É um ponto que toco em meu livro novo, “Extraterrestres”, ao mencionar o trabalho do historiador da ciência George Basalla. Após revisar o pensamento de cientistas de todas as épocas sobre o tema, ele nota a similaridade entre a convicção de muitos cientistas de que há outras civilizações avançadas lá fora e outras crenças menos palatáveis aos céticos, como a existência de anjos. Será que os cientistas estão se iludindo?
Em favor deles, temos de lembrar que a aposta em vida extraterrestre encontra sustentação forte em evidências indiretas (que, por sinal, para oMensageiro Sideral, são bastante convincentes). A enormidade do Universo, a descoberta recente de que planetas como a Terra são comuns no Universo e o fato de que moléculas precursoras da vida já foram detectadas em diversas partes do espaço, desde meteoritos até nuvens de formação estelar, sugerem que os processos que levam à biologia devem ser comuns. Podemos até estar enganados, mas tudo parece indicar que não estamos mesmo sozinhos.
Por outro lado, a dificuldade em explicar a origem da vida na Terra (um problema espinhoso e ainda não solucionado, embora parcialmente encaminhado pelos cientistas) e, com isso, estimar a chance de que seja um processo provável e passível de repetição, ainda é uma senhora pedra no sapato. Diante disso, não seria a crença em extraterrestres algo como uma “religião científica”? No atual ponto do jogo, os ateus não deveriam se professar, no limite, agnósticos a esse respeito? A questão fica como exercício para o leitor.
"Religiões e Vida Extraterrestre: Como lidaremos com isso?"
“Religiões e Vida Extraterrestre: Como lidaremos com isso?”
DESCOBERTA IMINENTE
De toda forma, é fato que provavelmente em duas décadas — e com certeza até o fim do século — saberemos se estamos ou não sozinhos no Universo. Nos próximos anos, sondaremos a atmosfera de milhares de planetas distantes e exploraremos os potenciais habitats extraterrestres no Sistema Solar.

Se houver vida como a que temos por aqui em algum lugar aí fora, obteremos sinais claros de sua existência. Se não encontrarmos nada (embora jamais possamos confirmar que não exista mesmo em lugar algum, pois não se pode comprovar negativas), diremos com segurança que, ao menos num contexto prático, estamos efetivamente sozinhos.
E a pergunta que não quer calar: estamos prontos para esse conhecimento? O neuropsicólogo espanhol Gabriel De La Torre fez um estudo com estudantes universitários e concluiu que não. Nem mesmo no ambiente acadêmico, a “consciência cósmica” é suficientemente desenvolvida a ponto de permitir que lidemos adequadamente com a ideia de que existem outros seres vivos lá fora.
Em seu livro, Wintraub faz análise similar, mas do ponto de vista do pensamento religioso, e chega a conclusões parecidas. “Embora alguns de nós possam afirmar que estão prontos, muitos e muitos de nós provavelmente não estão… muito poucos entre nós passaram muito tempo pensando seriamente sobre o que conhecimento factual sobre vida extraterrestre, sejam vírus, ou criaturas unicelulares, ou bípedes pilotando espaçonaves intergalácticas, pode significar para nossas crenças pessoais e nossas relações com o divino.”
Será que a humanidade vai pirar em breve, caso comecemos a encontrar sinais de outras Terras habitadas espalhadas por nossas vizinhanças cósmicas? Ou podemos seguir firmemente as sábias palavras do deputado Tiririca, “pior que está não fica”?

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