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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Vão-se as luas, ficam os aneis...

POR SALVADOR NOGUEIRA

O Universo não é só mais estranho e belo do que imaginamos, mas do que conseguimos imaginar. É a única conclusão possível ao ler sobre o novo trabalho de uma dupla de astrônomos do Observatório de Leiden, na Holanda, e da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos. Eles estão estudando um sistema de anéis fora do Sistema Solar que deixa o do nosso glorioso Saturno no chinelo. Para que se tenha ideia do diâmetro do negócio, ele é um pouco maior do que a distância entre a Terra e o Sol.
Concepção artística dos incríveis anéis descobertos ao cruzar à frente da estrela J1407 (Crédito: Ron Miller/Divulgação)
O incrível sistema de anéis descoberto ao cruzar à frente da estrela J1407 (Crédito: Ron Miller/Divulgação)
A descoberta em si foi feita em 2012, por um dos autores do novo trabalho, Eric Mamajek, da Universidade de Rochester. Ele analisava o brilho de uma estrela monitorada pelo projeto SuperWASP, que tem por objetivo descobrir planetas como Júpiter ou Saturno — gigantes gasosos — cruzando à frente de suas estrelas. O trânsito funciona como um minieclipse, reduzindo momentaneamente o brilho do astro central. Mas não foi exatamente isso que a coleta de dados do projeto registrou entre abril e maio de 2007 na estrela 1SWASP J140747.93-394542.6 (não tente decorar esse nome; até mesmo os cientistas usam apenas J1407 após a primeira menção).
O que eles viram foi uma série sequencial de eclipses profundos que durou um total de 56 dias. Nenhum planeta poderia produzir um efeito como esse. Mas uma análise cuidadosa mostraria que esse seria exatamente o resultado observável se um vasto sistema de anéis cruzasse à frente da estrela.
O novo trabalho, aceito para publicação no “Astrophysical Journal”, faz uma modelagem detalhada de como seria esse sistema. Ele teria nada menos que 37 anéis, com um diâmetro total de cerca de 180 milhões de quilômetros, umas 200 vezes maior que o sistema de Saturno. Um jeito bacana de visualizar o tamanho disso é imaginar como o nosso “Senhor dos Anéis” seria visto da Terra, a olho nu, se tivesse todas essas joias. E aqui está o resultado.
Se Saturno tivesse anéis assim, veríamos isso em Leiden, na Holanda (Crédito: Matthew Kenworthy/Divulgação)
Se Saturno tivesse anéis assim, veríamos isso em Leiden, na Holanda (Crédito: Matthew Kenworthy/Divulgação)
O que dizer do astro central desse sistema de anéis? Esse é um problema bem mais difícil, porque esse objeto em si não passou à frente de sua estrela. Mamajek e seu colega Matthew Kenworthy, do Observatório de Leiden, fizeram o máximo possível para tentar estimar a massa dele, mas a única coisa que se pode afirmar é que ele deve ser ou um planeta gigante ou uma anã marrom (objeto de porte intermediário entre estrelas e planetas).
AS INCERTEZAS
O mais provável é que esse mundo, batizado de J1407b, esteja numa órbita elíptica bem achatada em torno de sua estrela-mãe, em si muito parecida com o nosso Sol, mas bem mais jovem que ele (16 milhões de anos, contra 4,6 bilhões de anos). Se isso estiver certo, ele completa uma volta em torno da estrela num período mínimo de 10 anos (e o mais provável, segundo os pesquisadores, seria 13,3 anos).

Contudo, como somente uma passagem foi observada, há ainda muita incerteza sobre isso. Existe até mesmo a possibilidade — muito pequena, é verdade — de que o trânsito tenha sido apenas uma curiosa coincidência, e o mundo dos anéis gigantes nem esteja de fato em órbita de J1407.
O único meio de testar é esperar o próximo trânsito. Como o primeiro aconteceu em 2007, e a órbita mínima seria de dez anos, podemos começar a esperar por ele a partir de 2017. (Pelo sim, pelo não, o monitoramento já começou.)
A única certeza até agora é a de que o sistema de anéis gigantesco existe mesmo, nesse estranho objeto localizado a 433 anos-luz de distância. E, a exemplo do que acontece nos anéis de Saturno, há um “vão” maior, que os cientistas atribuem à formação de uma lua quase do tamanho da nossa Terra. Ela completaria uma volta em torno de J1407b a cada dois anos terrestres.
Os pesquisadores acreditam que esses anéis gigantescos sejam temporários, parte do processo que leva ao surgimento de luas em torno de planetas gigantes. É bem possível que os mundos gasosos do nosso Sistema Solar também tenham tido essas estruturas no passado remoto. Hoje, 4,6 bilhões de anos depois, sabemos que Júpiter, Saturno, Urano e Netuno têm anéis. Mas o único sistema realmente notável é o saturnino.
Tão incríveis quanto as maravilhas do Universo são os esforços detetivescos dos astrônomos para decifrá-los, observando de um pequeno e obscuro canto de uma galáxia espiral comum, em meio à inimaginável vastidão do cosmos.

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