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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Intervenção militar é pedido que não se faz nem por desespero nem por piada

manifestante em SP que a lembrou sofre de amnésia política


Plínio Fraga

Milhares de pessoas se reuniram no vão livre do Masp (Foto: Duran Machfee/ Estadão Conteúdo)Milhares de pessoas se reuniram no vão livre do Masp (Foto: Duran Machfee/ Estadão Conteúdo)
Nem por desespero nem por piada alguém pode sugerir a necessidade de uma intervenção militar no país, como se viu em passeata em São Paulo no final de semana. O Brasil vive seu maior período democrático sem interrupções golpistas de sua história. Serão 30 anos completados no ano que vem de saudável prática democrática. Independentemente de qual força política esteja no poder, esta é uma conquista a ser comemorada por todos. Não deveria haver dúvida de que a democracia é a melhor solução para dirimir conflitos, acertar consensos, estabelecer parâmetros de convivência entre opostos, erigir e derrubar governos.

Os regimes de exceção carregam males maiores do que as baionetas de seus proponentes. A violência dos agentes do Estado se espalha à velocidade da sua ignorância das leis. Um só tópico, o menos carnalmente doloroso e o mais intelectualmente aflitivo, pode ser lembrado aqui: a censura à imprensa vigorou no Brasil de 13 de dezembro de 1968 até 18 de junho de 1978. Por ordem dos interventores militares, que supostamente queriam garantir a democracia brasileira.
 Em 18 de junho de 1978, dez dias após a queda da censura, o “Jornal do Brasil” publicou um caderno especial de dez páginas, reunindo os 270 despachos que os jornais receberam com temas proibidos durante quase dez anos.
A primeira expedição de proibições tem dez pontos. O número um veta manifestações de  “inconformidade com a censura”, claro. Os demais assuntos interditados são campanhas visando a revogação dos atos institucionais, contestação ao regime, notícias sensacionalistas que prejudiquem a imagem do Brasil, campanhas de descrédito de assuntos vitais para o governo, assaltos a estabelecimentos de crédito, tensão com a Igreja Católica, agitação nos meios sindicais e estudantis, publicidade sobre nações e pessoas do mundo comunista, críticas contundentes e exaltação da imoralidade, com notícias sobre homossexualismo, prostituição e tóxicos.
Os temas censurados parecem abrangentes o suficiente para impedir praticamente qualquer assunto. Mas os censores não pensavam assim e continuaram mandando despachos complementares, que o JB publicou um a um, após a censura cair. Alguns era esdrúxulos, como o enviado quando a censura proibiu a divulgação de discurso de senador que negava a existência da censura. Outros deixavam claro as personalidades marcadas pelo regime, como o que vetava qualquer referência, contra ou a favor, ao cardeal d. Helder Câmara, e o que determinava que o apresentador de TV Flávio Cavalcanti não poderia ser entrevistado a respeito da suspensão de seu programa. Os temas de segurança eram os mais importantes, como o despacho que proíbe a divulgação de qualquer ação de repressão a terroristas ou prisão de comunistas. Só tinham dimensão igual aos temas políticos: “para evitar interpretações distorcidas, estão proibidas quaisquer notícias e comentários sobre sucessão presidencial e previsões de possíveis candidatos ou permanência do atual presidente.”  Este é um ponto de conforto para quem reclama das eleições presidenciais passadas. Nelas tudo podia ser discutido, até o que parecia ser por demais irracional ou preconceituoso.
A capa do Caderno Especial do JB (“Os documentos da censura”, de 18 de junho de 1978) é assinada por Elio Gaspari, que analisa com sofisticação sua origem e o ambiente em que se propagou.
"Entre 1972, e 1975, a imprensa brasileira esteve submetida a um sistema de censura baseado na emissão, pelo governo, de notas secas nas quais comunicava-se o que não se podia publicar. Colecionadas, elas formam um maço de 270 ordens e são um raro documento para o estudo do metabolismo do arbítrio. Apesar do ecletismo pitoresco de alguns vetos, a Censura sempre soube o que pretendia apagar: a atividade dos órgãos de segurança e a disputa pela sucessão do presidente Médici."
O texto lembra que os jornalistas, tomados como classe, não se mobilizaram para a tarefa de defesa da ideologia do regime, como ocorreu no fascismo e ocorreu nos países comunistas e em diversas nações africanas. As 270 ordens constituíram um monólogo dos censores com as redações que lhe eram hostis. Não vigorou no Brasil a ordem que Benito Mussolini deu aos diretores de jornais num discurso de 1928. “O que é nocivo se evita, e o que é útil ao regime se faz”. Essa foi a ideia que acionou os censores, mas não os jornais. Desligada do comando político do país, a censura foi resvalando administrativamente até cair nas mãos de interesses simplesmente paroquiais. As intervenções militares começam a pedidos e terminam sempre perdidas.

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