É estupefaciente, para dizer o mínimo, o que ocorreu na mídia brasileira enquanto o Tribunal Superior Eleitoral ainda contava os votos da eleição presidencial de domingo passado. Esse fenômeno revela o despreparo de jornalistas de grandes meios de comunicação para entender não apenas a democracia, mas a Constituição e suas garantias contra o coronelismo eletrônico.
Com base em denúncia tão frágil da revista Veja que levou o TSE a proibir, por unanimidade, a publicação de divulgá-la, e a conceder direito de resposta ao PT no site da revista, comentaristas políticos tomaram televisões, rádios, internet e a imprensa escrita para vender a teoria de que o impeachment da presidente da República seria uma forte possibilidade.
Em primeiro lugar, é preciso que fique claro que a denúncia que Veja fez na internet a 48 horas da eleição em segundo turno não apresentou absolutamente nenhum elemento de prova de que o doleiro Alberto Youssef teria acusado a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula de cumplicidade com um ainda não-esclarecido esquema de corrupção na Petrobrás.
A matéria da edição de Veja da semana passada ignorou todos as exigências que o jornalismo impõe para que uma denúncia daquele calibre seja feita. O leitor da revista não recebeu nada além de uma versão que qualquer um pode inventar. Aqueles que formaram juízo de valor e que condenaram a presidente da República com base em mera maledicência foram guiados pelas próprias idiossincrasias políticas e mais nada.
Ainda assim, as rodinhas de comentaristas políticos tomavam tevês e a internet para já dar como certo que um segundo mandato de Dilma começaria sob o signo do impeachment.
A Veja fez um programa de Web TV em que foi dito que haveria “grande” possibilidade de impeachment. Abaixo, um diálogo retirado do programa.
Apresentadora – O Reinaldo [Azevedo] falou algo muito forte, que é a questão do doleiro Alberto Youssef. Se for comprovado — e tudo indica que será comprovado, porque ele fez um acordo de delação premiada, e feito o acordo de delação premiada ele tem que apresentar provas, senão o juiz não aceita –, a gente tem ai pela frente um provável processo de impeachment.
Ricardo Sette — É isso que eu ia comentar. A gente tem um cenário de horror pela frente ai, Reinaldo [Azevedo], porque /…/ por mais que o governo Dilma tenha uma maioria no Congresso, vai chegar uma hora em que vai aparecer a cabeça aí, e tem a possibilidade do impeachment. Com a possibilidade do impeachment, Michel Temer vai ser presidente da República.
Augusto Nunes — Lembramos o caso do Richard Nixon, que se reelegeu com uma estrondosa votação, quando já corria, quando já dava o caso Waltergate, que aqui, esse caso ai que é bem pior, vai continuar.
Reinaldo Azevedo — Vai continuar!
Esse tipo de conversa, com pequenas variações, reproduziu-se na Globo News, na Band e por aí afora. Enquanto o Brasil votava, apesar de o TSE ter repudiado por sete votos a zero a reportagem de Veja, a mera versão de que Youssef teria acusado Dilma e de que tal acusação seria irrefutável e, assim, faria com que a presidente vencesse a eleição, mas não levasse, espalhou-se como praga.
Pior do que isso, porém, foram iniciativas golpistas paralelas. Dois advogados protocolaram na semana retrasada um mandado de segurança contra a participação da presidente no segundo turno, um pedido de impeachment de Dilma e outro de fechamento do PT, alegando subordinação do partido do governo ao Foro de São Paulo, além de um mandado de segurança no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na tentativa de suspender a participação da presidente no segundo turno das eleições.
Paralelamente a isso, ainda no sábado 25, a 48 horas da eleição em segundo turno, o PSDB representou contra Dilma na Procuradoria-Geral da República (PGR) para que ela e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fossem investigados por uma denúncia absolutamente inepta da revista Veja.
Passada a eleição, com a vitória de Dilma, o PSDB revolta o Tribunal Superior Eleitoral ao pedir recontagem dos votos, insinuando que as eleições podem ter sido fraudadas em favor de Dilma.
Confiantes nas chances do golpismo, energúmenos mais ousados que os da mídia já foram estendendo faixas golpistas diante do Palácio do Planalto logo após a reeleição da presidente da República.
Mas pior que tudo isso talvez sejam os colunistas, editorialistas e blogueiros ligados a Globos, Folhas, Vejas e Estadões que se deram a questionar a legitimidade da vitória da presidente devido à “pequena” diferença de 3,4 milhões de votos em seu favor e, o que é mais revoltante, devido ao fato de que o eleitorado dela seria “menos instruído” e oriundo “dos grotões”, como se os votos dos menos escolarizados, mais pobres e residentes no Norte e no Nordeste valessem menos do que os dos seus compatriotas do Sul e do Sudeste.
Para coroar tudo isso, nem bem as urnas terminaram de ser apuradas e surgem notícias de “rebelião” no Congresso. Liderados pelos vira-casacas do PMDB Eduardo Cunha, Henrique Alves e até por Renan Calheiros, congressistas derrotados nas eleições ou assustados com a promessa de Dilma de “não deixar pedra sobre pedra” nas investigações sobre a Petrobrás e outras tentam intimidar a presidente rejeitando matérias de interesse do governo enquanto rasgam a fantasia em declarações oposicionistas à imprensa.
A rebeldia de parte da base aliada será contida à base dos acordos políticos quanto a cargos, diante da alternativa de Dilma ter seu governo paralisado por quatro anos, com os previsíveis efeitos nocivos sobre a sociedade. Mas e o golpismo?
A oposição e setores da mídia esfregam as mãos, babam pelos cantos de suas bocarras golpistas, mas deveriam atentar bem para o chega-pra-lá que o TSE acaba de dar no PSDB, conforme matéria da Folha de SP supracitada.
Mas não é só. Mesmo que o novo Congresso, tido como o mais conservador desde o fim da ditadura militar, se revoltasse com possíveis consequências da disposição de Dilma de “não deixar pedra sobre pedra” nos casos de corrupção que certamente afetariam muitos parlamentares e, por acaso, se dê ao desfrute de deixar prosperar um pedido de impeachment, as instituições darão conta de impedir.
Caso não saibam, impedir um presidente da República não é tão simples e não depende, apenas, do Congresso. Além de ter que contar com a anuência do Procurador Geral da República, o STF pode barrar uma aventura desse calibre.
O STF que Dilma vem renovando está dando provas de que não voltará a se embrenhar em processos golpistas como o do julgamento do mensalão. Até por isso, Joaquim Barbosa “pediu as contas”. Sabia que em um STF renovado seu partidarismo e o de outros ministros que com ele compactuaram já são minoria. E essa minoria seguirá diminuindo com as novas nomeações que Dilma fará até 2018.
Este Blog, portanto, recomenda aos infectados pelo vírus golpista que ponham as barbas de molho. Podem até manietar o governo Dilma, mas daí a impedi-lo com artimanhas golpistas vai uma distância muito grande. E, se enveredarem por esse caminho, as ruas deste país serão tomadas por movimentos sociais e sindicais que denunciarão tudo à sociedade.
A esquerda se uniu no segundo turno contra o retrocesso e Dilma não será ingênua de abrir mão desse apoio, pois certamente irá precisar dele caso a mídia golpista, o PSDB e congêneres venham a tentar no tapetão o que a MAIORIA do povo brasileiro lhes negou nas urnas. E se quiserem por tal premissa à prova, que tentem. Estaremos esperando.
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